Às vezes penso que existem livros que podiam ter só uma frase, não que o reste não importe, mas existem frases que significam tanto que podiam ecoar na nossa mente o tempo que demoramos a ler o livro inteiro, ou então essa frase poderia ser repetida ao longo de todas as páginas,
só essa frase,
vezes e vezes sem conta. Neste caso, não é uma frase, mas um capítulo. Este capítulo que vos vou falar, podia ser o livro todo, assim só, quatro folhas encadernadas. Começávamos a ler e depois acabávamos, com o coração cheio, a alma, os demónios em revolta, as sombras. Para mim, ler é mexer por dentro e cada vez mais tenho essa certeza. Nessas quatro páginas, ela descobre o jardineiro, que afinal não é jardineiro mas é escultor preferindo ser chamado de aprendiz de escultor. Um homem com dúvidas que transcendem a sua existência, ele não sabe se quer ser escultor nem, sequer, o que é ser escultor. Gostava de ser criança conclui, por
Não pretender ser ninguém. Antes mesmo de saber o que isso é.
o escultor diz-lhe até que a vida não tem fim, não acaba num fim, pois certamente esse caminho seria um beco sem saída, a vida acaba não no fim mas no meio. Quando François lhe mostra a sua obra, ela ao primeiro impacto toca-lhe, com dedos de princesa não vá a obra desintegrar-se; a obra que agora é o centro de tudo, onde quer que esteja é o centro, e a sua altura é a altura que medeia a terra do céu, pouco importa quanto medirá realmente porque essa altura será sempre a altura que medeia a terra do céu
se fosse possível ficaria para sempre aqui. Deixaria de comer. Deixaria de dormir. Deixaria de falar.
mas é no silêncio da capela que ela sente os olhos do jardineiro e embora distantes ele vê-a por dentro e pergunta-lhe
O que queria pedir era para me servir de modelo para um trabalho que penso há muito fazer. Tem como título provisório, anjo de asas caídas
mas para ela
voar é o que fazem as almas inquietas. Como a dela. Jamais parar de voar. Nunca ser quem se é. Nunca saber quem se é.
no final, mesmo no final, último parágrafo, e eu já com os olhos cheios de lágrimas leio a frase que sei, depois de fechar o livro, ter esperado toda uma vida para ouvir
não precisa de me pedir. Estarei sempre aqui para si.
mas não ouvi.
Todas as referências a partir de Rosa Vermelha em Quarto Escuro, por Pedro Paixão.
Fotografia de pormenor da escultura Psique
Música Put Your Records On, por Corinne Bailey Rae
Boas,
passei aqui por acidente, mas digo-vos já que este blog é altamente.
O livro parece-me bastante interessante.
Inté.
Olá,
obrigado pela visita, o livro parece e é bastante interessante. Mesmo depois de o ler, já voltei a ele vezes e vezes sem conta.
Tudo de bom,
Edgar Semedo